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02/02/2013

Governo de SP tenta aumentar “na marra” número de leitos para internação compulsória


Governo de SP tenta aumentar “na marra” número de leitos para internação compulsória

Pacientes com problemas de saúde mental serão prejudicados com fechamento de ala em Centro de Atenção Integrada
Por Igor Carvalho
Retirado de Spressosp

O Centro de Atenção Integrada em Saúde Mental Doutor David Capistrano da Costa Filho (Caism-SP), da Água Funda, está sofrendo pressão da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP) para que funcionários de uma ala destinada a pessoas com problemas de saúde mental passem a cuidar exclusivamente de dependentes químicos oriundos das ações de internação compulsória. Documento obtido pelo SPressoSP comprova a orientação da diretoria da unidade e funcionários denunciam que a ordem teria vindo da secretaria.

Uma ala, que está sendo construída desde junho de 2012, será inaugurada em 7 de fevereiro, porém, não há funcionários contratados para trabalhar no novo setor, que está programado para receber dependentes químicos. A solução encontrada pela secretaria, em conjunto com a direção do Caism, foi fechar uma ala com 24 leitos que atende pacientes com problemas de saúde mental e transferir os funcionários para atender na nova ala. “A Secretaria está pressionando por novos leitos para a internação compulsória, caiu a diretora do Catrod [Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas] e a direção está com receio de novas demissões”, informou um funcionário da unidade, que pediu para ter a identidade preservada, citando a ex-diretora do Catrod, Marta Jezierski, demitida por discordar da internação compulsória de dependentes químicos.

O SPressoSP teve acesso a uma ata de reunião, ocorrida no dia 30 de janeiro, entre a direção do Caism e os funcionários, em que a orientação de fechamento da ala é explicitada pelo médico Amaury Henrique da Silva, assistente da direção do centro. Estava presente também diretora do Caism Claudia Farah Kotait Buchatsky, ambos assinam a ata.

De acordo com a ata, “Paulo (funcionário da unidade) solicita registrar na ata: ‘o que vai acontecer com a enfermaria NA (Núcleo de Agudos)’. Dr. Amaury informa que a enfermaria nova está praticamente pronta e estamos acionando a contratação de pessoas para iniciar as atividades. Devido à demanda da dependência química atual, o NA será destinado temporariamente ao atendimento deste tipo de paciente.”

Funcionários estão se colocando contra o fechamento do NA, a ala que atende pacientes com problemas de saúde mental, principalmente os servidores ligados ao Fórum Popular de Saúde, movimento que cresce dentro das unidades de saúde e que discute os modelos de gestão do setor.
Além de prejudicar pacientes com problemas de saúde mental que precisam de tratamento, os funcionários que serão deslocados não possuem treinamento específico para lidar com essa nova realidade.  “Esse situação do Caism, de apressar a inauguração, mostra como o governo não tem uma política para dependentes químicos. Estão fazendo improvisações, misturando dependência química e saúde mental. Demonstra como essa política de internação compulsória é muito mais higienização do que uma política de saúde”, explica o servidor.

A SES-SP, em resposta ao SPressoSP,  não desmente a informação da utilização de funcionários da saúde mental em outra área (dependentes químicos), porém, para a secretaria, as patologias podem ser tratadas de forma igual.  ”Sobre a denúncia de que a equipe da unidade não é preparada para atender dependentes químicos, a unidade esclarece que a política de atendimento a dependentes faz parte da área de saúde mental. Além disso, antes da implantação dos novos leitos, o Caism já contava com leitos destinados exclusivamente ao tratamento de dependentes químicos”.

Segundo a SES, 50 funcionários foram contratados para trabalhar na nova unidade, porém, a secretaria não explica por que utilizar servidores da ala de saúde mental no momento.

Histórico
Desde o dia 11 de janeiro, quando o governo do estado anunciou uma parceria com o Ministério Público (MP), a Organização dos Advogados do Brasil (OAB) e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), autorizando a internação compulsória ou involuntária, movimentos sociais e profissionais da saúde passaram a questionar a medida e, num momento seguinte, o número de leitos para receber esses dependentes, que seria insuficiente.
O Caism-SP disponibiliza quatro programas à população: Hospital Dia, que não exige internação, somente tratamento e acompanhamento do paciente; Moradia Protegida, lares abrigados, para pessoas com doenças crônicas que não tem retaguarda familiar; Núcleo de Comorbidade, para dependentes químicos com algum problema de saúde mental; e o Núcleo de Agudos e Reagudizados,que será fechado temporariamente e que atende pessoas com problemas crônicos de saúde mental.

31/01/2013

Vontade de potência

VONTADE DE POTÊNCIA

SÃO PAULO - Eu concordo com quase tudo o que o Drauzio Varella diz. Quase. A defesa apaixonada que ele fez da internação involuntária para dependentes de droga talvez se justifique como discurso de um pai desesperado ou de um médico aflito por não ter como ajudar o paciente, mas deixa de levar em conta alguns elementos importantes.

No afã de tomar uma atitude, Drauzio passa como um trator por cima de dúvidas pertinentes como a eficácia do tratamento compulsório --que tende a ser ainda menor do que as já modestas taxas de sucesso das internações voluntárias-- e a carência de vagas no sistema.

Raciocinando por hipótese, já que não existem dados confiáveis, se a chance de livrar-se da dependência é mínima e o tratamento é física e psicologicamente penoso, não podemos nem mesmo afirmar que a recusa é uma decisão irracional. Se vale a analogia com o câncer, quando o prognóstico da doença é muito ruim, alguns pacientes optam, talvez sabiamente, por evitar os efeitos adversos de uma quimioterapia.

E será que faz sentido usar uma vaga com alguém que não a deseja quando existem muitos dependentes menos graves que buscam desesperadamente um lugar para internação e não o conseguem? Qual a política pública mais correta?

Não chego a afirmar que a internação à revelia seja sempre indesejável, mas me parece claro que não pode ser usada como panaceia. Não dá para sair jogando as pessoas em hospitais e clínicas e depois corrigir os exageros, como quer o Drauzio.

A humanidade levou sete milênios para desenvolver mecanismos legais que protegem o cidadão do arbítrio do Estado. A lei nº 10.216, que prevê a internação involuntária, põe esse esforço por água abaixo ao permitir que uma pessoa seja privada de sua liberdade por tempo indefinido sem direito a defensor ou mesmo juiz. Precisamos, no mínimo, reescrever essa monstruosidade jurídica.

Hélio Schwartsman é bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve na versão impressa da Página A2 às terças, quartas, sextas, sábados e domingos e às quintas no site.

Para ver o site desta publicação, clique aqui.

29/01/2013

Entrevista Dartiu: Misérias fora de ordem

Misérias fora de ordem

‘Há uma inversão de valores, um discurso sobre o crack que perverte os reais problemas que estão ocorrendo na cracolândia’, diz o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira

26 de janeiro de 2013 | 17h 16
Juliana Sayuri, de O Estado de S. Paulo



Uma overdose de polêmica tomou conta de São Paulo nos últimos dias por causa de medidas do programa de incentivo à internação de dependentes químicos, bancado pelo governo do Estado.
No meio desse caminho, tinha uma pedra: o crack. De um lado, viu-se o drama dos aprisionados pela droga e dos familiares desesperados por ajuda. De outro, muita controvérsia em torno da internação forçada - vista ou como política de saúde pública ou como "limpeza urbana" dos frequentadores das cracolândias.Diante da complexidade da questão, o Aliás conversou com dois especialistas: os psiquiatras Dartiu Xavier da Silveira e Ana Cecília Marques, ambos professores da Unifesp. Eles têm opiniões divergentes e defendem posições a partir de sua experiência de campo. Em um ponto, porém, concordam: do jeito que está, a tragédia brasileira do crack não pode mais ficar.
Confira abaixo a entrevista com Dartiu Xavier da Silveira:

Comecemos pela internação compulsória para dependentes de crack: como o sr. analisa a medida?

O que se destaca negativamente, a meu ver, é esta medida ser proposta como o principal mote de uma política pública. Isso não faz sentido do ponto de vista médico. Internação compulsória deve ser uma situação de exceção, não de regra. Está até prevista em lei de 2001. Mas o governo paulista a divulgou como política pública nova, portanto generalizante. Não sou contra a internação compulsória. Sou contra a ideia da internação compulsória como uma medida generalizada. Tal tratamento funciona para apenas 2% dos pacientes internados contra a vontade. Já trabalhei na Europa e nos Estados Unidos com estudos e tratamentos para dependência química. 
No Brasil, fundei o Proad (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes), o primeiro serviço gratuito para dependentes em São Paulo. Atualmente atendemos 700 consultas por mês. Desde 1993, lido com dependentes de crack. E, desde 1996, com populações de rua. Assim, sei que as internações involuntárias e compulsórias são indicadas para situações muito específicas, em que o indivíduo apresenta problema mental grave associado, como a psicose com delírio e alucinação, e o risco de suicídio. Fora isso, não.

O governo paulista diz que a internação compulsória mira só a ‘exceção da exceção’.

Não tem sentido. Se é para uma pequena minoria, como pode ser anunciada como mote da ação? O mote deveria ser uma atenção global, integrada e multidisciplinar ao problema. As populações de rua são privadas de tudo que se possa imaginar. Muitos indivíduos nunca foram institucionalizados, nunca tiveram família, nunca tiveram casa.
 Tenho uma história emblemática para lembrar. Uma menina de 13 anos que usava crack me dizia: "Tio, nem gosto do efeito da droga, não. Mas sabe o que é? Para poder comer, preciso me prostituir. E, para ter relação sexual com um adulto, preciso me drogar, senão não suporto a dor". E o que a gente quer fazer? Quer pegar uma menina dessas e jogar na internação compulsória? O problema dessa menina é muito maior que a droga. Há uma inversão de valores aí, um discurso sobre o crack que perverte as reais questões que estão acontecendo na cracolândia. A repressão deveria ser dirigida ao tráfico internacional, aos traficantes. E não ao menino de rua que usa crack.

Muitos criticam a ausência do Estado. Mas, agora que o Estado se posiciona, também é alvo de críticas.

Precisamos da intervenção do Estado. Mas no papel de agentes de saúde, para propiciar o cuidado necessário a essas pessoas. Não adianta dizer "vamos resolver a questão das drogas" e botar policiais na rua, em ações truculentas. Ainda hoje há uma confusão sobre as diferenças dos aspectos criminais e médicos nas questões das drogas. 
A própria legislação é muito ambígua para discernir quem é o usuário, quem é o traficante. E, ainda, quem é o usuário ocasional, quem é o dependente químico. Não é simples. Mas jogam todos na mesma vala. Aliás, nem todo usuário de crack é dependente. Outra ambiguidade: a confusão entre a política e a questão médica e psicológica. Agora, se o Estado se autoriza a propor internações involuntárias e compulsórias a essas populações de rua, parece-me uma medida política, midiática e higienista. Se o mote fosse realmente o cuidado do crack - e se a melhor abordagem fosse a internação involuntária/compulsória -, penso que, por uma questão de coerência, isso deveria ser estendido à Avenida Paulista, aos bairros mais nobres da cidade. Por que só na cracolândia? Porque incomoda muito ver as pessoas se drogando na rua. Se a indicação fosse médica, você também pegaria involuntariamente os mais favorecidos. 
O que incomoda é a visibilidade - não só da droga, mas dessas pessoas. No consultório onde atendo, recebo pacientes de classe média alta que consomem crack entre quatro paredes. Médicos, jornalistas, executivos... São exceções, mas há. Essas pessoas não têm a mesma visibilidade das pessoas de rua. Quer dizer, temos uma miséria social antes de tudo. A droga é só um elemento. A internação deve ser uma decisão médica - e, então, como defendê-la como decisão jurídica? É muito mais cara (e menos eficaz) que o trabalho ambulatorial que já realizamos.

Por quê?

Por exemplo, há uma iniciativa municipal em que uma equipe de psiquiatras faz internações involuntárias de pessoas em situação de rua. Como não tem condições de tocar esse regime de internação em hospitais públicos, recorre a hospitais particulares. Mesmo nos melhores modelos, como nos convênios com o Hospital Samaritano com o Said (Serviço de Atenção Integral ao Dependente), uma internação custa quase R$ 20 mil por mês. Há um lobby de instituições psiquiátricas, uma máfia branca interessada nesses recursos. Há muitos interesses escusos. Por isso, muitos médicos defendem a internação compulsória, pensam nos próprios interesses financeiros.

Mas não seria ingênuo esperar pela internação voluntária desses dependentes?
Ingênuo? Não. Ingênuo é não fazer nada e, na hora em que a situação se agrava, recorrer a uma medida de exceção. Essas populações de rua foram abandonadas pelo Estado. Perderam a cidadania, a moradia, a saúde. Agora, com essas novas medidas, perderam mais direitos: a liberdade individual e o direito de ir e vir. Há uma leitura equivocada nessa história. Pensam que a miséria social é uma decorrência da droga, o que não é verdade. É decorrência da omissão do Estado. 
A droga não é a causa, é uma das consequências. Então, a cracolândia deve ser tratada como uma questão de saúde pública, e não de segurança pública. Eu continuo trabalhando na cracolândia atualmente. Um trabalho de formiguinha, muito difícil e lento. Abordamos essas pessoas, fazemos intervenções com consultórios de rua, levamos para atendimento ambulatorial no Caps-AD (Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas, iniciativa municipal).
Nas situações extremas, também recomendamos internação. Tudo é trabalhado a partir de uma rede assistencial. Mas, quando o governo entra com uma política intervencionista e ações policiais como a de janeiro de 2012, todo nosso trabalho é prejudicado. Perdemos a confiança que demoramos tanto para conquistar entre as populações de rua. Atitudes agressivas e repressivas só afastam essas pessoas. Então, é um retrocesso para nós. 
Além disso, a psiquiatria cometeu muitos abusos no passado. Sou psiquiatra, vejo isso todos os dias: hospitais abrigando usuários de drogas sem nenhuma indicação médica. É um risco grave e sério de manicomialização do tratamento. Na primeira ação na cracolândia, a de janeiro de 2012, tive a impressão de que estávamos retornando à era da psiquiatria medieval. Entramos até num questionamento ético: qual é o direito do Estado de intervir assim na vida de alguém? É uma afronta às liberdades individuais. Não se pode fazer um isolamento nos modelos das prisões. E internação compulsória é isolamento social, não tratamento. É o que vejo na prática. Se tivéssemos um aparelho constituído e um método eficaz, eu defenderia a iniciativa. Se não é assim, qual é o sentido? Em São Bernardo do Campo, um dos hospitais conveniados com o governo do Estado estava sob intervenção e investigação por maus-tratos aos pacientes. Como se pode propor uma internação involuntária em um hospital assim? E isso foi no ano passado, não na história distante da luta antimanicomial.

O dependente de crack é capaz de discernir o que é melhor para ele?
Tenho discutido muito a questão da autonomia com o pessoal da área jurídica. A perda da capacidade de autodeterminação, que configura uma situação jurídica que justifica uma internação compulsória, é exceção. A maioria das pessoas envolvidas com drogas não perdeu essa capacidade de autodeterminação - isso vale para maconha, crack, álcool, etc. O que define a dependência é a perda do controle em relação ao produto. Se o indivíduo perde o controle no consumo de álcool, ele é incapaz de responder pelos próprios atos? Não. Ele escapará da prisão se cometer um crime? Não. Quer dizer, a perda de controle vale apenas para aquele ato. Mas dizer que esse indivíduo perdeu a noção de identidade e o julgamento entre certo e errado? Não. Qual é o limite? A capacidade de fazer o julgamento da realidade. Perdendo isso, entramos na psicose. A maioria dos dependentes de crack pode estar consumindo compulsivamente a droga e pode estar desesperada a ponto de roubar para poder comprar mais, mas não perdeu a capacidade de diferenciar o certo do errado. Quer entrar com medidas jurídicas? Sim, mas medidas voltadas para os delitos - o roubo, por exemplo. E roubo não é doença mental, é crime.

O governador Geraldo Alckmin se disse surpreso com o número de internações nos primeiros dias, prometendo mais investimentos. Foi realmente surpreendente?

É difícil saber. Mas é até natural um movimento dessa ordem, pois a repercussão na mídia desperta uma procura maior. E a maioria das pessoas ainda não entendeu a medida, não tem uma visão crítica sobre as questões polêmicas, principalmente sobre a baixa eficácia desse modelo de tratamento.

Qual o modelo mais eficaz para tratar dependentes de crack?

O modelo ambulatorial, com equipes multidisciplinares. Sei que é difícil trabalhar com ele. É muito mais simples "decretar" a internação. Mesmo nesse modelo ambulatorial, que considero mais sustentável, os resultados não são fáceis. A maioria das ações ali não tem recursos públicos. A quantia que o governo apostou nas internações compulsórias (R$ 250 milhões)... Nunca foi investido nada parecido nas nossas ações. Nos consultórios de rua, por exemplo, temos ONGs e voluntários, pois não há investimento público consistente. E considere também que os Caps-AD são iniciativas da Prefeitura com respaldo do governo federal - e são as formas preconizadas pelo Ministério da Saúde como a forma privilegiada para tratamento de dependência química. E embora conte com profissionais muito competentes, o Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas, iniciativa estadual) tem uma postura diferente, numa linha do antigo modelo americano, mais restritivo e repressivo. 
O Caps-AD trabalha numa linha mais europeia, que privilegia o acolhimento. Por exemplo: não temos uma visão apriorística, não dizemos "vamos acabar com as drogas agora". Mas vamos ouvir essas populações para descobrir como podemos ajudar. Não é à toa que os Estados Unidos estão mudando de modelo: eles constataram que a famosa guerra contra as drogas já foi perdida. 
Precisamos pensar em alternativas. Agora, se os Estados Unidos, com os recursos que têm para investir em saúde, já notaram isso, por que nós ainda estamos batendo nessa tecla? Devemos priorizar intervenções mais humanizadas. Precisamos proporcionar acolhimento, não segregacionismo.

A proposta da ‘oferta controlada de drogas’ daria certo no Brasil?

Conheço algumas experiências de uso controlado - nos Estados Unidos e no Canadá, além de países europeus como Espanha, Holanda e Suíça. Funciona, mas para uma parcela específica dos pacientes: usuários crônicos de longa data, que já tentaram os outros modelos de tratamento, sem sucesso. Na esfera da redução de danos, são medidas válidas, a partir da seguinte constatação: nos modelos de tratamento tradicionais ancorados na abstinência, como preconizam Ana Cecília (Marques) e outros, as melhores taxas de eficácia do mundo não passam de 35%, 40%. Quer dizer, mesmo com os melhores recursos não conseguimos ajudar nem metade das pessoas. 
O que fazer com os 60%, 65% restantes que não mantêm a abstinência? Eles dizem: olha, o dependente não parou, foi um insucesso terapêutico, entra na estatística e acabou. Não se faz mais nada. Na minha perspectiva, as pessoas que não respondem ao tratamento e não ficam abstinentes devem receber outras estratégias para diminuir danos. As propostas de uso controlado fazem parte dessas estratégias. No Proad, atendo em média 150, 200 consultas de crack por mês. Temos uma taxa de sucesso de 1/3, que abandona o crack totalmente. Os outros 2/3, não. Então, tentamos diminuir a frequência de uso para que o indivíduo tenha uma qualidade de vida melhor, um desempenho profissional razoável. 
Um paciente me disse certa vez que a maconha o ajudava a diminuir o uso do crack. A partir disso, fizemos uma experiência controlada com 50 dependentes de crack usando maconha, com controle rigoroso e uma série de variáveis para ter aferição científica, com acompanhamento detalhado por um ano. Resultado: 68% abandonaram o crack depois dessa experiência, que foi relatada no Journal of Psychoactive Drugs, uma revista científica da Califórnia. Em algumas experiências no exterior, há ainda a possibilidade de os médicos fornecerem o produto ou prescreverem a droga. Isso começou na Inglaterra no início do século 20, quando os médicos britânicos foram autorizados a prescrever heroína para soldados dependentes que voltaram da guerra mutilados. 
É preciso esclarecer que a política de redução de danos não se opõe à política de abstinência. Elas são complementares, não antagônicas. Cada caso é um caso. A internação compulsória pressupõe a da abstinência, o que é louvável. Mas funciona menos. No dia em que for liberado, o dependente terá uma recaída.


O status de epidemia do crack é real?
Como não temos nem estrutura de atendimento adequada, não podemos dizer se e quanto aumentou o consumo de crack. A quantidade de dependentes que me procurava em 1996 e em 2012 é praticamente a mesma. O que há é mais visibilidade.
Para ver a reportagem no site oficial, clique aqui.

Entrevista Dartiu: Internação compulsória seria inaceitável em países de primeiro mundo


Segue trecho inicial da entrevista do Prof. Dr. Dartiu Xavier da Silveira ao jornal SpressoSP no dia 24/01/2013

Reportagem por Felipe Rousselet.


Dartiu Xavier: “Internação compulsória seria inaceitável em países de primeiro mundo”
  
Para psiquiatra, o tratamento ambulatorial é mais eficaz e barato do que a internação involuntária
Por Felipe Rousselet

Na última segunda-feira (21), teve início a medida do governo do Estado de São Paulo que prevê a internação compulsória de dependentes de crack, ou seja, sem consentimento próprio ou da sua família.
De acordo a Secretaria de Estado da Saúde, só na quarta-feira, 23, foram realizadas 11 internações, sendo três involuntárias, com o pedido da família, e sete voluntárias. Estes números superam os registrados nos dois primeiros dias, quando foram contabilizadas sete internações, sendo que todas foram voluntárias.

Mas qual será a eficácia de um tratamento contra a vontade do paciente? Será que o Estado está preparado para receber estes pacientes? Como a internação compulsória é vista em outros países?


O psiquiatra Dartiu Xavier, professor da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretor do Proad (Programa de Orientação e Assistência a Dependentes), onde trabalha com dependentes químicos há 25 anos, explica essas questões.


Para saber mais clique aqui e veja o conteúdo completo da reportagem.

11/01/2013

O equívoco das internações involuntárias em São Paulo

O equívoco das internações involuntárias em 

São Paulo


Com amplo trabalho realizado com dependentes químicos, o psicanalista Antonio Lancetti questiona a decisão do governo de São Paulo de implantar a internação involuntária para diminuir o número de usuários de drogas nas ruas.

Antonio Lancetti*



Por que o Governo do Estado decidiu justamente agora deflagrar novamente uma caçada aos usuários de crack do centro de São Paulo?
Por que agora depois do fracasso de um ano de prisões, internações involuntárias e voluntárias por “convencimento obrigatório”- isto é, pessoas que assinaram sua internação para não serem indiciadas como traficantes, pois a lei não especifica qual a quantidade que diferencia usuário de traficante?
Por que justamente agora que o governo municipal está iniciando uma nova gestão redeflagram uma guerra contra os drogados pobres e miseráveis da cidade?
Por que reiniciar outra guerra urbana depois da malsucedida guerra contra o “crime organizado” que resultou na morte de tantos inocentes?
É absolutamente certo que em determinadas situações extremas é necessário internar uma pessoa como medida de proteção, quando se conhece a pessoa, sua história e se tem construído um vínculo de confiança, mas isto deve ser uma exceção e não uma regra. As internações feitas no atacado além de constituir um flagrante desrespeito aos direitos humanos são ineficazes pelas seguintes razões:
- Nas cidades onde não há repressão policial como em São Paulo, os usuários são muito mais fáceis de aceder e tratar e não acendem, como aqui, os cachimbos na cara de qualquer um. Escondem-se para fumar. Ainda respeitam cuidadores e autoridades.
- A quase totalidade de pessoas internadas involuntariamente quando encaminhadas às Unidades de Acolhimento Provisório (em São Paulo tem várias delas destinadas a dar um tempo de seis meses para as pessoas organizem suas vidas) não conseguiram ficar por mais de alguns dias e não aderem a qualquer tratamento, eles dizem: “passei seis meses rezando, já paguei, agora já posso usar”. A maioria dos usuários da cracolândia já foi internada.
- É muito deprimente para médicos, enfermeiros e agentes de saúde que com tanta dedicação conseguem começar a tratar de suas infecções, de suas doenças sexualmente transmissíveis ficarem sabendo que a polícia e a Guarda Municipal nos famosos “rapas” lhes tomam as mochilas com os documentos e os antibióticos ou antivirais. Na prática a ação policial só atrapalhou a ação da saúde.
- Na prática, quando se interna alguém com sérias dificuldades de saúde os funcionários de hospitais públicos têm muita resistência e expressam rejeição tanto de pacientes como de agentes de saúde e enfermeiros que os acompanham. É preciso capacitar esses técnicos para essa difícil tarefa.
- Os funcionários das unidades de saúde da periferia de São Paulo hoje se vem obrigados a lidar com o fenômeno de novas concentrações de usuários de crack. Eles se espalharam pela cidade e se tornaram mais arredios.
Nos EUA foram presas milhões de pessoas e não conseguiram exterminar o consumo dessa droga para pobres. Enquanto a droga é proibida o mercado negro torna-se incontrolável. Nenhuma droga adulterada sumiu do mercado por proibição, algumas foram substituídas por outras como aqui a cocaína injetável pelo crack.
Pensemos: como o crack pode ser considerado uma epidemia se a substância é inerte? Quem paga o advogado da centena de pessoas que esta presa? A que se dedicarão quando saírem daqui a alguns anos da prisão?
A que lugares essas pessoas serão conduzidas? Quem ler estas linhas tem ideia dos locais onde essas pessoas passarão meses de suas vidas?
Por que insistir com ações desintegradas e não realizar uma ação conjunta com as novas autoridades municipais?
No Brasil inteiro estão ocorrendo capacitações de policiais para atuarem em parceria com as redes de saúde e assistência. Por que São Paulo não quer aprender?
Não se pode resolver com medidas simplistas problemas tão complexos. E é por isso que os municípios que adotaram a Redução de Danos e estão criando suas redes de Consultórios na Rua, leitos para desintoxicação em hospitais gerais, UPAS para pacientes graves, Centros de Atendimento Psicossociais CAPS AD (Álcool e outras drogas) de funcionamento durante as 24 horas do dia, casas para reorganizar a reabilitação e a vida com trabalho, moradia, relação com a família e a comunidade, estão avançando. É preciso conhecer o sério e belo trabalho de São Bernardo do Campo.
Pode ser que desde o ponto de vista do marketing a operação seja, por pouco tempo, um sucesso, mas ela vai dificultar o trabalho sanitário e corremos o risco de ser penalizados mundialmente.
*Psicanalista, autor de Clínica Peripatética (Editora Hucitec)
Para saber mais, clique aqui.
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